domingo, 15 de setembro de 2013

Livro: "Os condenados – a trilogia do exílio" (Oswald de Andrade, 1922-34)




Agrupado em 1941, “Os condenados” reúne três romances articulados sobre uma unidade estilística, temática e de personagens: “Alma” (1922), “A estrela de absinto” (1927) e “A escada” (1934). Três momentos que acompanham o desenvolvimento da obra de Oswald de Andrade, tanto no seu aspecto biográfico, quanto nos rumos do movimento modernista alavancado com a Semana de Arte Moderna. Estrutura-se assim com “Os Condenados” o roman-fleuve, — gênero literário no qual a saga de personagens dispara criticamente sobre a sociedade e a história.
A ação muito dinâmica, frenética e até descompassada constrói-se com frases curtas rascantes, economia de descrições, saltos espaço-temporais, incisividade expressiva a toda prova, com total predomínio do verbo sobre os qualificativos. A ação aglutina-se em seqüências à moda do cinema de Griffith (como apontado por Monteiro Lobato e Antônio Cândido), sintonizado ao ritmo moderno da industrialização paulista. Todavia, em momento algum perde de vista a simbologia cristã e a metafísica da natureza, bem como um certo misticismo órfico que o autor associa à criação artística. Nessa trilogia, a despreocupação com elevações de estilo e malabarismos sintáticos conforma com a narrativa impiedosa, o drama cruel, a crítica socializante, numa poética engajada com o reformismo e o modernismo de letras politizadas.

Os personagens exilam-se em si mesmos e só se comunicam precariamente pela dor, — uma dor nua, um sofrimento mudo, uma agonia resignada jamais gritada. Padecendo da exploração do trabalho, da prostituição do corpo, da implacabilidade do destino, os personagens de “Os Condenados” vivem na falta de esperança, no absurdo, no trágico. Estão presentes, numa realidade sem compaixão pelos fracos, a prostituta-mãe santificada (Alma), a criança sofredora (Luquinhas), o malandro brutalizado (Mauro Glade), o operário sonhador (João do Carmo). Nenhum deles racionaliza, filosofa ou reflete sobre os caminhos cinzentos que percorrem sob a garoa paulistana. Nisso, se diferenciam do personagem pequeno-burguês, o escultor vanguardista Jorge d´Alvelos, que assume o papel de narrador a partir do segundo romance.
Jorge, artista liberal e boêmio, viajado pela Europa, lancina-se em espirais de solidão, traduzidas ora em ciúmes, ora em revolta existencial. Exerce ele, então, a auto-reflexão tipicamente romântica do intelectual em estado de tensão contra a mesma classe dirigente de que disside. De passionalidade ardente, Jorge rebela-se contra a hipocrisia, a mediocridade e a falta de sentido do mundo.  Conflagrado entre reverberações do cristianismo da infância e um inconformismo social ainda sem bandeira, ele investe na escultura contra um Deus incompreensível, mas cujo resultado final somente comprova, a seus olhos, a pequenez e insignificância humanas diante de um universo indiferente.
O exílio sufocante a atravessar o texto culmina na escada vermelha do último romance, quando Jorge conhece a Mongol, militante marxista e transfiguração artística de Pagu, — com quem Oswald casaria na década de 30. E extirpa enfim o “abscesso da divindade (…) se despregara do seu cérebro qualquer coisa de doença“. A revelação salvadora, saída ex machina pelo marxismo-leninismo rompe o absurdo e confere sentido à experiência, organizando o mundo. A narrativa se despsicologiza, simplifica-se, e o seu passado descolore-se como produto de uma ideologia desmascarada. O autor sobrepõe o exílio com a utopia — princípio de síntese que, hoje, depois de tanta água sob a ponte, diríamos ingênuo e até fácil. À época, entretanto, o jovem Oswald — que mais tarde migraria para o marxismo-trotskismo — politiza o movimento artístico e provisoriamente resolve (ou adia) as confusões interiores, as aporias a-dialéticas e os imobilismos característicos do intelectualdeclassé.
No conjunto, “Os Condenados” expressa o desassossego com um realismo de sinceridade total, problematiza o papel do artista nessa realidade, e força o caminho do modernismo no sentido da politização da arte.

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